Notícias

Autoridades públicas começam a regular Internet das Coisas

À medida que crescem a adoção e a importância da chamada Internet das Coisas, o tema também desperta interesse e chama a atenção de autoridades públicas, de governos a agências reguladoras, passando pelo Parlamento. Após o anúncio do Plano Nacional de Internet das Coisas pelo governo federal, em junho, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) está com consulta pública aberta para ouvir a sociedade sobre quais regras devem incidir sobre esse sistema de tecnologias.

 

O termo Internet das Coisas (IdC, ou IoT na sigla em inglês) vem sendo adotado nos últimos anos para designar um ecossistema em que não apenas pessoas estão conectadas por meios de seus computadores e smartphones, mas também dispositivos estão interligados entre si, com usuários e com sistemas complexos de coleta, processamento de dados e aplicações de diversos tipos.

 

Segundo o gerente de programas para software e soluções na nuvem para América Latina da consultoria global IDC, Pietro Delai, o Brasil ainda está bem atrás de outras nações, embora numa posição boa na região, consolidando-se como o mercado mais expressivo. A IDC estima que o volume de recursos movimentado pelo ecossistema, considerando todas as fases da cadeia de valor, deve chegar neste ano a R$ 38 bilhões.

 

“O plano nacional de Internet das Coisas da China foi publicado 7 ou 8 anos atrás. O nosso estamos publicando agora. Mas em termos de implementação na América Latina a gente está bem. Temos uma infraestrutura de Tecnologia da Informação no país que já tem condições de suportar projetos de Internet das Coisas”, avalia o gerente da consultoria IDC.

 

Regulação

 

Parte importante das regras desse novo segmento será definida na consulta pública da Anatel, aberta no início de agosto. A sondagem visa “diminuir barreiras à expansão das aplicações baseadas em internet das coisas e em comunicação máquina a máquina”. Os interessados podem fazer contribuições por meio do site da Anatel até o dia 17 de setembro, no link https://sistemas.anatel.gov.br/SACP/Contribuicoes/TextoConsulta.asp?CodProcesso=C2268&Tipo=1&Opcao=andamento.

 

De acordo com o documento de explicação da consulta, um dos seus intuitos é avaliar se os modelos de negócio relacionados à IdC “podem ser abarcados na regulamentação atual” e como poderiam ser enquadrados do ponto de vista das regras vigentes. O debate inclui a reflexão se os serviços existentes, em geral previstos para a relação entre pessoas e máquinas, seriam adequados para comunicações entre equipamentos.

 

Entre as normas existentes atualmente, há aspectos acerca de exigência mínima de qualidade do serviço, obrigações relacionadas aos direitos do consumidor e formas de prestação do serviço. A Anatel quer saber se há necessidade de flexibilizar esses dispositivos, e de que forma. Entre os requisitos legais em avaliação na consulta, entram também as taxas e os tributos incidentes sobre o setor. Atualmente, a Anatel cobra um valor por aparelho. A consulta problematiza se este é o melhor modelo, dado o fato de que os equipamentos são menores do que smartphones ou computadores.

 

“Surge a incerteza se seria plausível manter o valor atual fixado para a TFI [Taxa de Fiscalização de Instalação] e TFF [Taxa de Fiscalização de Funcionamento] decorrentes de licenciamento das estações e se tais valores poderiam ser um empecilho”, pondera o documento da consulta. O texto também cogita estabelecer condições diferenciadas a depender do serviço e da empresa prestando.

 

Plano Nacional

 

As regras específicas em debate na Anatel estão relacionadas a diretrizes mais gerais definidas no Plano Nacional de Internet das Coisas (Decreto nº 9854 de 2019), anunciado em 26 de junho deste ano. Os resultados a serem perseguidos a capacitação profissional relacionada a essas tecnologias, a promoção da competitividade e da produtividade em empresas atuando no desenvolvimento de produtos e serviços de IdC e o fomento de uma maior inserção internacional do Brasil em relação a este tema.

 

Caberá ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) decidir as áreas prioritárias que receberão mais atenção e incentivos. Mas o decreto já elenca algumas: saúde, cidades, indústrias e atividades rurais. A seleção dessas áreas será realizada a partir de critérios de “oferta, demanda e capacidade de desenvolvimento local”. O Plano Nacional de IdC prevê a criação de projetos de fomento à implantação dessas inovações, como a criação de centros de competência para tecnologias inovadoras em IdC e um observatório nacional com foco no monitoramento do progresso da transformação digital no país, incluindo as políticas públicas voltadas a esse processo.

 

De acordo com o secretário de empreendedorismo e inovação do MCTIC, Paulo Alvim, já há duas câmaras funcionando para pensar ações específicas em dois temas: indústria e agricultura. Ele destaca que um dos grandes desafios é a qualificação da força de trabalho, uma vez que a adoção dessas tecnologias implica novos conhecimentos.

 

“Estamos mobilizando redes do Ministério da Educação e Sistema S [Sebrae, Sesc, Senac, Senai, Sesi...] no sentido de prontamente oferecer formação porque são empregos do futuro. Já tem um curso do Senai gratuito sobre o tema. Esta questão se tornou estratégica e estamos falando de setor que tem vagas mas não tem gente qualificada para ocupá-las. Temos que acelerar isso”, ressalta o secretário.

 

Na opinião do advogado especialista em direito digital e autor de livro Internet das Coisas, Eduardo Magrani, o plano tem um foco maior na dimensão comercial do tema, não tocando em aspectos importantes relacionados aos impactos desses novos dispositivos na sociedade, como a garantia de direitos e os riscos do ponto de vista ético. Segundo ele, o direito não está preparado ainda para o ambiente da IdC, cujas aplicações são feitas a partir de algoritmos e soluções baseadas em inteligência artificial.

 

“O plano de IdC não olha para essa nova era das coisas inteligentes, que agem retirando a autonomia do cidadão neste mundo hiperconectado. Problemas sérios de cibersegurança onde nem os fabricantes têm preocupação com segurança ou privacidade. Precisamos de barreiras mais fortes para que os padrões sejam altos. Neste universo, é importante garantir valores humanos na fase do design tecnológico, garantindo valores como privacidade e ética”, defende o advogado.

 

No Congresso Nacional

 

O tema da IdC também passou a ser objeto de iniciativas no Parlamento. O Projeto de Lei No 7657 de 2019, de Vitor Lippi (PSDB-SP), propõe zerar taxas de “estações móveis de serviços de telecomunicações que integram sistemas de comunicação máquina a máquina”, termo técnico para designar equipamentos relacionados ao ecossistema de IdC.

 

Em maio deste ano, a Comissão de Tributação e Finanças da Câmara dos Deputados aprovou relatório do deputado Eduardo Cury (PSDB-SP), que reforça a isenção da Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI) e da Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF), bem como as contribuições para o fomento da radiodifusão pública e desenvolvimento da indústria cinematográfica. Além disso, a redação desobriga a necessidade de licenciamento prévio.

 

Até nesta segunda-feira (09/09), a matéria estava em análise pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Como tramita em caráter terminativo, se for aprovada nessa comissão, deve ser encaminhada ao Senado Federal, para ser apreciada pelos parlamentares.



Como essa tecnologia pode afetar a vida das pessoas

 

Internet das Coisas. Embora mais conhecido entre técnicos, empresas e pesquisadores, o termo vem ganhando visibilidade na sociedade. As coisas, nesse caso, são todo tipo de equipamento que pode ser conectado de distintas formas, de um caminhão para acompanhamento do deslocamento de frotas de transporte de produtos a microssensores que monitoram o estado de pacientes a distância em hospitais ou fora deles.

 

Na Internet das Coisas (IdC), também tratada pela sigla em inglês IoT (Internet of Things), novas aplicações permitem o uso coordenado e inteligente de aparelhos para controlar diversas atividades, do monitoramento com câmeras e sensores até a gestão de espaços e de processos produtivos. As regras para este ambiente tratam tanto da conexão como da coleta e processamento inteligente de dados.

 

O ecossistema da IdC envolve diferentes agentes e processos, como módulos inteligentes (processadores, memórias), objetos inteligentes (eletrodomésticos, carros, equipamentos de automação em fábricas), serviços de conectividade (prestação do acesso à Internet ou redes privadas que conectam esses dispositivos), habilitadores (sistemas de controle, coleta e processamento dos dados e comandos envolvendo os objetos), integradores (sistemas que combinam aplicações, processos e dispositivos) e provedores dos serviços de IdC.

 

Evolução

 

Segundo o economista do setor de tecnologias da informação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Eduardo Kaplan, a IdC poderia ser entendida como uma “convergência” de tecnologias já existentes, mas gerando o que o especialista chama de um salto qualitativo.

 

“A IdC traz mudanças tanto no desenvolvimento de uma conectividade mais pervasiva quanto no aumento do processamento dos dados e barateamento e refinamento dos sensores que permitem a coleta de dados em diversos ambientes e com diferentes atuadores. Tudo isso associado a alguma solução prática, algum uso que permite aumento de eficiência, redução de intervenção humana, novos produtos ou novos modelos de negócios”, explica.

 

O presidente da Associação Brasileira de Internet das Coisas (Abinc), Flávio Maeda, pontua que a IdC não é uma tecnologia nova, mas um novo sistema de soluções técnicas. “A gente está tratando o tema em geral como se fosse uma continuação da revolução da internet, a Internet 4.0. As coisas vão ficar conectadas e isso tem grandes implicações”, assinala.

 

Mais coisas conectadas

 

Na mesma linha, o executivo de Watson da IBM América Latina, Carlos Tunes, lembra que a conectividade em diversas atividades já ocorre há vários anos, como é o caso de processos de automação, mas a diferença da IdC seria a quantidade de dispositivos e as transformações que esse tipo de recurso pode gerar em diversas áreas.

 

O advento da IdC é que hoje a gente tem muito mais coisas conectadas do que tínhamos no passado. Agora temos desde um relógio, máquina de lavar. IdC acabou tendo uma pulverização deste tipo de sensoriamento e traz isso a um novo nível. Antes tinha número limitado de dados e com frequência grande. Agora tem quantidade maior de dados numa frequência quase que online, o que permite uma tomada de decisão instantânea”, comenta.

 

Um exemplo é o uso de sensores em tratores que medem a situação do solo e enviam dados para sistemas responsáveis por processar essas informações e fazer sugestões das melhores áreas ou momentos para o plantio. Outro é a adoção de dispositivos em casa, como termômetros, reguladores de consumo de energia ou gestores de eletrodomésticos, que permitem ao morador da residência controlar esses equipamentos à distância.

 

Máquina a máquina

 

O diretor de inovação do centro especializado em tecnologia CPQD, Paulo Curado, destaca que uma das diferenças desse novo ecossistema é a capacidade de conectar máquinas que passam a se comunicarem e, com isso, gerar uma forma mais complexa de monitoramento, coleta e análise de informações e tomada de decisões a partir destas, inclusive de maneira automatizada.

 

“IdC é quando você pega sua agenda e coloca compromisso. E aí eu pego meu relógio conectado, estou dentro do Waze [app de mobilidade]. Se ocorrer um acidente, o Waze vai me acionar pois preciso acordar mais cedo. Isso sem a interferência de ninguém. Quando as coisas começam a conversar, conectadas à internet, a gente fala em Internet das coisas. Isso muda bastante”, exemplifica.

 

“Qual é a grande diferença do conceito de Internet das Coisas? Quando tem diversas soluções envolvendo a comunicação máquina a máquina. Quando há soluções integradas numa rede única, onde publicam informações delas e consomem de outras, aí estamos falando de IdC”, acrescenta o coordenador de projetos de cidades inteligentes do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), Fred Trindade.

 

Mas...

 

Para a professora coordenadora do Medialab da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Fernanda Bruno, esse novo ecossistema traz uma ampliação da vigilância da vida das pessoas, que hoje já existente nos smartphones, mas com potencial de crescimento por meio da disseminação de sensores em todo tipo de equipamento, como veículos, eletrodomésticos, postes e edifícios.

 

Mas esse processo, continua a professora, não é apenas um aumento quantitativo desse monitoramento do cotidiano, mas também qualitativo, uma vez que a captura dos dados é mais sutil e silenciosa, muitas vezes sem a consciência por parte dos indivíduos de que estão sendo objeto de tal monitoramento.

 

“Enquanto a Internet ‘tradicional’ foi marcada pela interatividade, a IdC está incorporada aos objetos e captura os nossos dados enquanto usamos tais objetos ou frequentamos certos espaços e ambientes. Mas é preocupante pensarmos que quantidades imensas de dados extremamente relevantes e sensíveis sobre nossos hábitos e comportamentos estão sendo coletados de forma contínua sem que seja necessária a nossa percepção e consciência deliberada disso”, observa Fernanda Bruno.

 

 

Informações: Agência Brasil

Edição: Mery Regina Griebler





Leia também:



Indústria receberá R$ 15 milhões para financiar a Internet das Coisas



Adicionar Comentário